O abuso psicológico pode ser sutil ou explícito, mas as suas consequências são as mesmas: danos à individualidade, privacidade, autonomia, identidade e autoestima da vítima.
Ofensas, ameaças, gritos, chantagens, humilhações, manipulações e até mesmo aquelas mensagens diárias do ex, implorando perdão, prometendo mudanças e suplicando para reatar o relacionamento, são alguns exemplos.
Ele nunca me bateu, posso pedir medida protetiva mesmo assim?
O abuso psicológico é uma das formas de violência previstas na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que criou as medidas protetivas de urgência.
A lei determina que as medidas protetivas devem ser aplicadas quando “constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”, sem especificar o tipo de violência. Isso significa que não é necessário ter ocorrido agressão física para que o(a) juiz(a) conceda medidas protetivas.
Clique aqui para saber como funciona o procedimento.
Violência psicológica é crime?
O abuso psicológico pode aparecer de várias formas, e, embora nem todas sejam consideradas crimes, podemos pensar em alguns exemplos:
O crime de ameaça (art. 147 do Código Penal) acontece quando o abusador diz, por exemplo: “se você terminar comigo, vou acabar com a sua vida”, ou “se eu descobrir que você me traiu, eu te mato”.
Já se ele te impede de sair de casa, mesmo sem te agredir fisicamente, o crime é o de cárcere privado (art. 148 do Código Penal).
Ofensas e humilhações se enquadram como violência moral na Lei Maria da Penha, e podem configurar os crimes de difamação (art. 139 do Código Penal) e/ou injúria (art. 140 do Código Penal).
Há, ainda, uma tese de que quando abuso psicológico resulta em doenças como depressão, ansiedade, síndrome do pânico e estresse pós-traumático, por exemplo, o crime seria o de lesão corporal, na forma de lesão à saúde (art. 129 do Código Penal). Já existem decisões nesse sentido no Brasil.
Esses são alguns exemplos, e podem ocorrer sozinhos ou em conjunto com outros crimes. O prazo para denunciar varia de acordo com cada crime, assim como o tipo de procedimento.
Como provar a violência psicológica?
Quando o abuso psicológico é mais explícito e envolve ofensas, gritos, humilhações, é possível usar gravações de áudio ou vídeo feitas com o celular, ou printscreen de mensagens recebidas pelo WhatsApp ou outro aplicativo do tipo.
Dica: para fazer o printscreen das mensagens, vá primeiro à agenda do celular e apague o contato do abusador. Assim, aparecerá nos prints o número do telefone dele, e não o nome, o que torna a prova mais confiável.
Testemunhas dos abusos, como familiares e amigas, também servem para reforçar seu depoimento e podem ser indicadas como provas no pedido de medidas protetivas ou no processo criminal.
Além disso, se você estiver fazendo terapia especializada em relacionamentos abusivos, poderá pedir à terapeuta que faça um laudo sobre os efeitos e as consequências dos abusos na sua vida.
Por outro lado, quando o abuso é sutil, pode ser que provas como prints ou gravações não existam. Mas isso não deve ser motivo para deixar de pedir ajuda: a violência psicológica sutil causa os mesmos danos daquela mais explícita e também dá direito à proteção.
É importante lembrar que, quando falamos em Lei Maria da Penha e violência contra a mulher, a palavra da vítima tem especial importância. Isso quer dizer que a existência de poucas provas não pode ser motivo para negar medidas protetivas.
É claro que, como ainda lidamos com um Judiciário machista, não podemos contar apenas com isso. Mesmo sabendo que a palavra da vítima deveria ser suficiente para garantir a sua proteção, sabemos que, na prática, nem sempre isso acontece, e por isso é tão importante guardar provas dos abusos sofridos.
Isso reforça, também, a importância de um atendimento jurídico especializado. Uma advogada especializada (ou a Defensoria Pública, para as mulheres que não podem pagar uma advogada) saberá trabalhar melhor com as poucas provas para demonstrar a necessidade das medidas protetivas.
Posso pedir indenização por violência psicológica?
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a violência doméstica e familiar contra a mulher gera dano moral presumido.
Isso significa que não é preciso provar que os abusos causaram danos à moral da vítima, ou seja, à sua honra, imagem ou reputação. Porém, os abusos em si precisam de prova.
Na prática, então, se você decidiu denunciar e processar o abusador criminalmente, caso ele seja condenado, ele deverá, além de cumprir a pena, pagar uma indenização por danos morais.
Contudo, se você decidiu não levar o caso à justiça criminal, ainda assim poderá ajuizar uma ação cível de indenização por danos morais, mas precisará comprovar os danos por meio de documentos e testemunhas.
Iniciar uma batalha no Judiciário não é uma tarefa fácil. Além do abusador, quando se trata de violência de gênero, o próprio Judiciário pode se tornar um adversário. Mas com apoio jurídico e psicológico especializado, a caminhada pode ser menos dolorosa. Você não precisa passar por isso sozinha!
Melissa de Carvalho Santana
Advogada | OAB/MG 167.526
Direito das Famílias e Direito das Mulheres