Olá, mulher preta. Como vai? Esse espaço foi pensado especialmente para você. Talvez você possa se perguntar o porquê de um espaço só seu, mas esperamos que você compreenda o quanto ele é necessário. Por mais que, muitas vezes, a gente não pare para olhar pra isso, as vivências das mulheres não são todas iguais. As dores que doem em mulheres pretas podem ser muito diferentes das dores que mulheres brancas sentem. E, por causa dessas diferenças, pode ser que você não tenha se conectado com o nosso conteúdo, antes de chegar nesse espaço que é só seu. Você já se perguntou: “por que não fui contratada naquela empresa”?, “Por que ele não quis se casar comigo”?, ou “Por que eu não sinto amor e cuidado vindo dos outros? Por que a vida parece ser sempre tão difícil pra mim”? Essas são algumas perguntas que não fazemos em voz alta, mas que atravessam as nossas vidas, silenciosamente e dolorosamente. A causa primária de todas as dores que mulheres pretas sofrem está no racismo.
Margarida, bela flor que ninguém colhia
Era uma vez Margarida, mulher preta retinta
que namorava José, homem branco, igual farinha.
Logo que se conheceram, ele a pediu em namoro.
E, como nunca tinha namorado, nem ouvido um “eu te amo” sussurrado,
Margarida aceitou, de bom grado.
E no começo tudo eram flores: saíam, se divertiam, um arraso!
Mas aos poucos foi virando um show de horrores:
Ele não gostava de nada que ela fazia,
Reclamava, colocava defeito e a diminuía…
Nunca mais palavras carinhosas ela ouvia.
E Margarida se sentindo mais sozinha a cada dia,
Se olhava no espelho e não se reconhecia.
Decidiu conversar com a família e uma amiga,
Mas de todos os lados só se dizia:
Agradece, menina, por ter sido escolhida, quando ninguém te queria.
Foi quando se sentiu culpada de reclamar por ser “amada”.
E com a culpa vivia uma vida cada vez mais amargurada.
Brigaram um dia,
Alguns gritos e correria,
Porque ela queria sair, sumir.
Ao que ele disse: daqui você não sai,
Quem mais vai te querer agindo assim, com tanto mimimi?
E Margarida foi ficando, cada vez mais triste, mais deprimida, foi murchando…
(Autora: Julyelle Conceição – Psicóloga Não Era Amor)
Como o racismo afeta a vida da mulher negra?
As formas como a mulher negra vem sendo vista ao longo do tempo é herança da colonização do Brasil, período em que as pessoas negras eram trazidas para serem escravizadas por serem consideradas seres sem alma e não pessoas.
Desde então, diversos estereótipos compõem a construção da identidade da mulher negra a colocando em lugar de extrema vulnerabilidade, além de naturalizar as violências sofridas por ela. Dentre eles, quatro se destacam: “o da mãe preta, que é a matriarca ou subserviente; o da negra de sexualidade exacerbada que provoca a atenção masculina; o da mulher dependente da assistência social; e o da negra raivosa, produtora da violência, não a receptora”, estereótipos totalmente opostos aos das mulheres brancas como da fragilidade feminina, da exigência de castidade, da divisão sexual do trabalho em que o homem é o provedor e a mulher é a cuidadora. E é a partir desses estereótipos que se baseiam as violências vividas pela mulher negra.
A violência pode estar em toda parte
Sobre dados estatísticos do que estamos falando, é possível verificar o Atlas da Violência (IPEA, 2021). Em sua última atualização, em 2019, foi verificado que 66% das mulheres assassinadas no Brasil eram mulheres negras. Os dados ressaltam esse cenário quando mostram que o risco relativo de uma mulher negra ser vítima de homicídio no Brasil é quase duas vezes maior do que uma mulher não negra (mais precisamente 1,7 vezes).
Esses dados colocam uma tendência que existe ao longo dos anos, ao comparar as taxas de mortalidade dos anos de 2009 e 2019, é possível também perceber que a taxa de mortalidade de mulheres negras era e continua superior ao das mulheres não negras.
Além disso, diferente das mulheres brancas que na violência doméstica sofrem com ciúmes, brigas e separações, pesquisas apontam que mulheres negras vivem esse tipo de violência, mas também as violências sofridas na rua e na casa de outras pessoas, não apenas no próprio lar. O que demonstra uma série de violações de companheiros, ex-companheiros, vizinhos, colegas de trabalho e desconhecidos. Ou seja, as violências surgem não só pela raça, mas também pelo gênero (ser mulher) e pela classe (ser pobre), ao que se chama de princípio da interseccionalidade.
Já, quando se trata da saúde, o racismo na estrutura das relações e instituições traz diversas consequências para a mulher negra. Na saúde, a mulher negra encontra dificuldade para acessar os serviços e sofre violências dentro do sistema.
Estudos realizados pela Fiocruz colocam algumas situações que ocorrem no atendimento de mulheres grávidas, por exemplo. Nesses estudos, mulheres negras possuem maior risco de: realizar um pré-natal inadequado; realizar menos consultas e mais curtas em termos de duração; maior peregrinação em maternidades; e por fim, são as mulheres negras que tem mais o direito violado no que se refere a presença do acompanhante.
Isso tudo deixa evidente o quão distanciada a saúde em geral está da mulher negra. Distanciada e, quando acessada, por vezes violenta.
Por isso, é cada vez mais importante lutar pela melhor formação dos profissionais de saúde e também para que cada vez mais mulheres negras tenham acesso a esse direito fundamental.
Fatores que mantém a mulher negra em RA
Os fatores que dificultam a saída e podem manter a mulher negra em relação abusiva são vários. Infelizmente, quando falamos sobre relações abusivas e mulheres negras, é comum que essa mulher já tenha tido exposição à violência em suas mais diversas formas, podendo chegar ao ponto, que por vezes, isso pode ter sido naturalizado dentro de sua história. Vamos listar alguns pontos importantes:
– Percepção do abuso. Ter tido essa exposição precoce a violência é um fator que dificulta com que a mulher perceba a situação de abuso que possa estar vivenciando no relacionamento;
– A dependência financeira do abusador. Mulheres negras tem menos anos de estudo que mulheres brancas (IPEA, 2020), o que pode acarretar na sua entrada dificultada no mercado de trabalho e no reconhecimento de direitos fundamentais. Dessa forma, deixando-as mais vulneráveis financeiramente.
– Acesso limitado à justiça. Ter conhecimento dos seus direitos impacta o acesso. Isto é, uma vez que não sei quais são os direitos, os limites e até onde o direito do outro vai, muito potencialmente não saberei os caminhos e as instituições que devo acessar. E, ainda, por questões de racismo estrutural, ter o acesso dificultado.
– Estereótipos colocados na mulher negra. Muitos são os estereótipos colocados sobre a mulher negra. Eles variam desde a sexualização do corpo dessa mulher até a concepção de mulher extremamente forte. Uma vez colocado pela sociedade nesse local, a mulher negra se percebe com dificuldade na identificação do abuso e na construção da sua autoestima, que seria um fator protetivo.
O aquilombamento faz parte da cura
Aquilombar é se organizar e construir espaços de reflexão e ação sobre a realidade, junto à pessoas com as quais se identifique. Aquilombar-se seria uma necessidade histórica de reconexão e resistência do povo negro.
Nesse sentido, Mulher, rede de apoio é essencial!
Procure pessoas de confiança, compartilhe, escute relatos, compare experiências. A partir disso, novas perspectivas irão surgir, que podem ajudar e beneficiar o seu caminho.
“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo” (Angela Davis, 2017)
Como a Não Era Amor pode ajudar?
Será que é possível mensurar o tamanho da dor que é viver sujeita a tantas formas de violência? Sabemos que o relacionamento abusivo geralmente não é a primeira violência na vida de uma mulher preta. Por isso, a terapia especializada da Não era amor promove um espaço acolhedor e qualificado, com base em ciência, unindo um conhecimento multidisciplinar e alinhado à uma psicologia racializada, para que as feridas deixadas pelo racismo e por todas as formas de abuso possam ser cuidadas.
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Eveline Silva
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Laís Pereira