Felizes para sempre. Amor da sua vida. Príncipe encantado. Metade da laranja. “Ele vai mudar por mim”. “O nosso amor vai transformá-lo”. Já se pegou pensando em alguma dessas frases? Então pode ser que você esteja muito mais em contato com o sonho de como o relacionamento poderia ser do que com a realidade da situação, isso quer dizer que, provavelmente, você está vivendo em busca do ideal do amor romântico.
As ilusões e fantasias que compõem o amor romântico estão nos filmes, nos livros, nas músicas. Essa idealização foi herdada da arte e traz consigo vários mitos que atrapalham diretamente a forma das mulheres se relacionarem de maneira saudável. Nesse texto vamos ajudar você a entender a ideia de amor romântico e como ela pode estar associada diretamente à relacionamentos abusivos.
O que é amor romântico para a Não Era Amor?
O amor romântico vem do Romantismo, movimento criado na metade do século XVIII que envolveu belas artes, teatro, dança, literatura, filosofia e música. Esse estilo que tinha por essência a característica esperançosa e fantasiosa, invadiu também os relacionamentos, transformando uma união prática e emocionalmente estável em uma história de amor apaixonada, com fantasias e expectativas.
Romantismo, amor romântico e suas características
O romantismo têm sido um desastre para os relacionamentos, principalmente para as relações onde há abuso, já que nessas a romantização acontece do início ao fim. E para entender mais sobre essa ligação, é preciso identificar as características herdadas pelo amor romântico:
Idealização: se inventa uma pessoa que não existe e tenta transformá-la no que foi idealizado.
Ideia de completude: o pensamento de que quando casal somos um só e que o amor verdadeiro existe para pôr fim na solidão, como única e principal chance de ser feliz e mudar de vida.
Alma gêmea: o parceiro certo tem que nos entender inteiramente, sem nem precisar conversar conosco. Essa conexão deve surgir imediatamente, sem levar em conta considerações práticas, só sentimentos.
Amor romântico e relacionamentos abusivos
O amor romântico é uma das variáveis da nossa cultura que ajuda a multiplicar os relacionamentos abusivos porque ele é, em sua essência, uma forma de preencher um vazio existencial.
Em nossa sociedade, onde o desejo da mulher é socialmente ditado, as mulheres têm formas de sentirem essa completude diferente dos homens. Enquanto eles são criados para terem conquistas, poder, dominação e força, elas são educadas para buscarem relacionamentos amorosos e, com isso, a validação masculina. E é nessa busca pela aceitação juntamente com a idealização do relacionamento perfeito que o abuso encontra seu lugar.
Para alcançar e merecer uma relação com quem idealizamos tentamos de tudo, moldamos a forma de vestir, agir, pensar, falar… O resultado disso é a frustração contínua, o sentimento de que somos inferiores e inadequadas e um relacionamento com desigualdade de poder, onde o homem é o dominante.
A relação vira o centro da vida da mulher, destruindo a sua identidade e essência. E para que a imagem do homem perfeito não se desfaça ela começa a justificar o comportamento do abusador, arrumando desculpas para suas atitudes. Fica, então, cada vez mais difícil enxergar a realidade.
A romantização está presente no relacionamento abusivo do início ao fim. Começando pela ideia de perfeição que acontece no início da relação, passando pela esperança irreal de mudança mesmo quando o parceiro não dá sinais de melhora e tem o comportamento cada vez mais abusivo, inclusive no abuso sutil que vai ficando mais refinado, menos difícil de perceber e, por isso, mais grave. Até no término, onde há fantasia de algo bom que nunca existiu e uma lembrança seletiva das partes de lua de mel, ignorando os momentos que tiveram violência.
Paixão não é amor
Paixão tem mais a ver com o sofrimento do que com amor. Esses sentimentos do início, da descoberta, da conquista e desejo bloqueiam o contato com o real e resultam em fantasias que impedem a percepção do abuso. Podemos identificar a presença da paixão também na fase da lua de mel no ciclo da violência, onde o parceiro tenta compensar os abusos, distorcendo ainda mais a noção da realidade abusiva.
Demonstrações de afeto podem esconder abuso
Em um relacionamento abusivo o abuso pode vir disfarçado de afeto e cuidado. É importante lembrar que essa violência não está vinculada necessariamente a agressão física, ela pode acontecer de forma sutil, até mesmo camuflada de romantismo.
Tentar manter as aparências é também uma forma de negar o abuso. Já parou pra pensar naquela foto bonita de casal postada nas redes sociais? O que tinha por trás dela? Você quis postar? O que aconteceu antes? Qual a imagem você queria passar para seus amigos e familiares? Ele te chantageou para postar? O que aconteceu depois? Se você não postar ele te cobra e diz que você tem vergonha dele e não ama de verdade?
Se tirarmos suas fantasias o que sobra?
Quando romantizamos o relacionamento e os sentimentos, tendemos a esquecer, minimizar e normalizar o abuso. Criamos uma realidade que não existe.
Um ponto importante é: o que é real e o que você fantasiou, criou, imaginou no seu relacionamento abusivo? Para suprir as necessidades do amor romântico o abuso acontece e transformamos o errado em certo para alimentar a fantasia de que:
– Aquele homem dos meus sonhos existe (então preciso fazer de tudo para dar certo)
– Meu parceiro está mudando (não preciso me frustrar e lidar com o abuso)
– O relacionamento está bem (é só uma fase ruim dele que passou)
– “Agora vai!” (vou ter o que sempre sonhei).
Qual a diferença entre amor romântico e relacionamento saudável?
A fantasia e a realidade. No amor romântico você vive e alimenta expectativas sozinha. Vê sinais onde não tem, agrega juízo de valor superestimado e positivo ao comportamento do outro e quando esse outro não corresponde você justifica e não aceita a realidade.
A aceitação da realidade é o início da cura
Se o problema de outra mulher parece pior e mais desgastante que o seu, preste um pouco mais de atenção. Cada pessoa que está em um relacionamento abusivo acredita que sua situação é diferente e “não é tão ruim assim”, se referindo a situações de outras mulheres que, na opinião dela sim, possuem problemas graves e reais. É comum também dar desculpas para o abuso, relativizar os erros do parceiro e até mesmo se culpar por eles.
Para se curar tente entrar em contato com a realidade e enxergar as coisas como elas são, sem a ideia romântica que você criou. Ver a vida como ela é e não como fantasiou pode ser o primeiro passo para sair do abuso. É muito difícil mudar algo que não conhecemos ou que não existe em nós enquanto uma realidade.
Lembre-se também de quem você é, da sua essência
O amor romântico nos distancia do amor próprio. Tente reencontrá-lo! Busque dentro de você a sua essência, o que te fazer vibrar, viver, ser feliz. Use a autocompaixão nesse processo, ela é o caminho para diminuir a vergonha, culpa, autocrítica e te fazer retomar o amor por si mesma. E, é claro, conte com a Não Era Amor!