Vivemos em uma sociedade potencialmente abusiva. Nela, o abuso é reforçado e naturalizado a todo momento, podendo se manifestar de forma bastante sutil e até mesmo “socialmente aceita”. Esse tipo de violência velada e mascarada pelo machismo em que estamos inseridos torna ainda mais difícil a identificação e punição de um abusador, dando a ele munição e espaço para piorar e escalonar seus atos machistas e violentos. Portanto, quando o assunto é abuso ou violência doméstica não basta que você, homem, não seja abusivo. É preciso que você também seja contra o abusador. Saiba como nos tópicos abaixo:
Reconhecer os privilégios masculinos
Em nossa sociedade o homem possui diversos benefícios exclusivamente por conta do seu gênero. Consequentemente, a ele também se atribui mais poder. Isso acontece porque a maneira como a masculinidade hegemônica, responsável por legitimar a posição dominante dos homens, é ensinada e transmitida contribui muito para a violência. Pessoas do sexo masculino são criadas para acreditar que o gênero oposto está no mundo para servir e isso se aprende de diversas formas: tendo adultos como modelo, vendo a maneira como o pai trata a mãe e mulheres ao seu redor, nos filmes, videogames e na pornografia.
Além disso, o meio em que vivemos reforça constantemente que os homens devam buscar metas de alto-benefício, acumular status, poder e competência. Eles são ensinados a amar e desejar esse poder enquanto mulheres são cobradas a corresponderem às expectativas patriarcais como a devoção absoluta e amor ao seu parceiro que, também usa esse poder almejado sob ela. Em outras palavras: homens amam coisas, mulheres amam homens.
Qual o meu papel enquanto homem?
Os homens podem ajudar no combate a violência doméstica e aos relacionamentos abusivos de diversas maneiras, a principal delas pode até parecer óbvia, mas precisa ser dita. O primeiro passo é: não abuse. Não violente, desrespeite ou aja em posição de poder sob uma mulher e, além disso, não feche os olhos quando algum de seus amigos tiver uma atitude parecida.
Esqueça também aquele papo de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Pelo contrário, se perceber que há uma possível vítima e que ela corre riscos não hesite em chamar uma viatura ou fazer uma denúncia anônima. Se possível, acompanhe a mulher até a delegacia e a ouça sem julgamento. Intervenha sempre quando vir brigas e discussões de casais na rua de maneira a ajudar e proteger a mulher, impedindo qualquer tipo de violência que esteja presenciando.
Outro ponto nessa luta é não usar de seus privilégios socioculturais por ser homem ou quaisquer outros como poder e hierarquia social, para manipular e controlar a parceira ou qualquer outra pessoa do sexo feminino. Além de se desculpar de forma genuína e se responsabilizar, assumindo as consequências sempre que tiver alguma atitude violenta e machista.
Entender a sua responsabilidade enquanto homem diante dessa realidade, que propaga e mantém o machismo, e não compactuar com isso de maneira verdadeira é mais que uma boa atitude no combate ao abuso. É uma obrigação enquanto ser humano.
Meu amigo é um abusador. E agora?
Segundo a ONU, 1 a cada 3 mulheres já passaram ou passarão por algum tipo de abuso durante a vida. Sabe o que isso significa? Existem diversos abusadores ao nosso lado. Se você percebeu que seu amigo pode ser um deles jamais compactue com suas atitudes e alerte-o sobre a forma criminosa como está agindo. Aconselhe-o também a buscar terapia especializada. Se necessário e em prol da saúde e segurança da vítima, denuncie.
Nas rodinhas de conversa responsabilize colegas por comentários, discursos e atitudes machistas. Também não aceite que seu amigo pegue uma garota à força em festas, pelo braço, cabelo ou que ele insista quando uma mulher se recusar a ficar com ele. E lembre-se: a culpa nunca é da bebida ou de questões relacionadas à saúde mental. Só existe um responsável pelo abuso, o abusador (sugerimos a leitura do texto “Os 5 Mitos Sobre o Abusador“).
Por fim, dependendo da situação, se afaste do amigo e se disponha a ajudar a vítima: abusadores precisam perder seus privilégios e assumir as consequências das suas ações para que possam mudar. Se ele continua tendo amizades que sabem do que ele faz, não está perdendo privilégios e sim tendo o seu comportamento reforçado.
O que fazer enquanto psicólogo?
A graduação em psicologia não nos prepara para lidar com questões ligadas a relacionamentos abusivos. Por isso, é necessário buscar conhecimentos sobre o tema e também sobre o trauma. Fazer formação em psicoterapia especializada, supervisão clínica com profissionais mulheres que também são especializadas para, assim, realizar intervenções adequadas nesses casos. Existem contingências que as mulheres vão conseguir auxiliar melhor nas análises e estratégias para intervir, pois elas vivem e sofrem impactos do contexto de uma maneira muito distinta dos homens.
É necessário um olhar alerta também às suas crenças pessoais sobre machismo, feminismo, violência doméstica, relações abusivas e como elas podem afetar o seu papel enquanto terapeuta. Entenda que você psicólogo homem pode já ser um SD para a cliente que dificulta vínculo, que evoca emoções e sensações desagradáveis.
Jamais reforce crenças e estereótipos patriarcais nos atendimentos, nem indique pseudociência: intervenções ou procedimentos inadequados podem colocar a vida e saúde das vítimas em risco, além de não a ajudá-la de maneira efetiva a voltar para o centro da própria vida, identificar os abusos, seus efeitos em sua vida e possibilidades de saídas seguras e com menor dano possível.
Acolha, informe e denuncie seguindo as diretrizes do Conselho Federal de Psicologia. Abuso não é ausência de repertório ou déficit de habilidades, mas sim uma questão ligada aos valores e a forma como o abusador pensa.
Relacionamento abusivo é uma questão de todos
Com todos seus aspectos sociais e socioculturais, o abuso e a violência contra mulher não são questões românticas ou de relacionamento. Tudo isso é um problema social e de saúde e deve ser combatido por todos. Se informe, se reconheça nessa luta e tente, diariamente, libertar e proteger cada vez mais mulheres.
Não Era Amor indica
Já conhece o movimento Stand Up? Essa ação, inspirada pela L’oréal, é um manifesto em defesa das mulheres e a favor do combate ao assédio e abuso nas ruas. A campanha reforça a importância da informação para libertar e proteger cada vez mais mulheres.
Assista ao vídeo clicando aqui!
Redação: Thay Tanure, Redatora da Não Era Amor
Conteúdo e revisão: Fábio Iannini, Psicólogo da Não Era Amor