Um relacionamento abusivo traz à vítima diversos impactos em todas as áreas de sua vida. Esses danos, além da saúde física, individualidade, percepção, segurança e bem-estar, também se estendem a outro campo: o neurobiológico. Isso significa que mulheres que sofrem ou já sofreram abusos têm consequências, estudadas e confirmadas pela ciência, também no cérebro. Para entender esse fenômeno, é preciso primeiro saber o que ocorre no cérebro. E, a partir daí, verificar tais impactos.
O cérebro e as etapas de um relacionamento abusivo
Desde os primeiros encontros, durante a construção do relacionamento abusivo, há estímulos táteis, visuais, verbais que o parceiro emite e que provocam reações no cérebro e no corpo. Cada atitude, toque e palavra dita para conquistar é reconhecida pelo cerebelo (uma parte do cérebro) como um convite interessante, já que ocorre a liberação de neurotransmissores (agentes químicos que atuam no cérebro). A excitação corporal acontece, e, de maneira súbita ou gradual, aparece a atração física. Nesse último caso, é importante ressaltar, que mesmo nos relacionamentos onde inicialmente não há atração física por parte da mulher, o parceiro consegue vinculá-la por outros meios como a insistência, por exemplo.
Passada a fase de construção, o relacionamento avança e ocupa cada vez mais espaço na vida da vítima. A intensidade emocional presente em cada uma das fases faz com que o cérebro fique inundado de neurotransmissores. Há muito cortisol, hormônio liberado em situações de estresse, dopamina que traz sensação de prazer e motivação gerada na fase de lua de mel e adrenalina constantemente sendo liberados em doses altas e que sobrecarregam o funcionamento do sistema nervoso. O cérebro, por estar com essa sobrecarga para lidar com as inúmeras sensações intensas vindas do relacionamento, passa a ter menos períodos de descanso, o que impede sua recuperação.
A neurociência e os relacionamentos abusivos: consequências do abuso
A dinâmica do cérebro é modificada pelo abuso, o que significa que, se uma mulher está em um relacionamento abusivo, os neurônios dela estarão morrendo ou mudando a forma como se comunicam uns com os outros.
Por ser um órgão dinâmico e integrado, os danos causados pelo abuso no cérebro, o atingem de maneira global. Por exemplo: se a área responsável pelas emoções é afetada, não há como desconsiderarmos que outras partes também sofrerão impactos. Sob forte ameaça e intensidade de emoções, nosso córtex pré frontal, responsável por planejamento e tomada de decisões, é comandado pelo sistema límbico (emocional), o que explica a dificuldade de tomada de decisão de mulheres enquanto vivenciam um relacionamento abusivo.
Como consequência dessas alterações cerebrais, a vítima pode ter prejuízos significativos em relação à construção da rotina. É muito comum que seus padrões de sono estejam totalmente alterados, revelando insônia ou sono irregular, mesmo nas fases de lua de mel.
Sem descanso adequado e sob estresse constante, o cérebro vai perdendo a capacidade de fazer conexões neurais adequadas, ou seja, de pensar, julgar, decidir, tomar decisões em direção ao bem estar e à saúde, regular suas emoções e encontrar um equilíbrio saudável. Podem aparecer também questões alimentares, como falta ou aumento de apetite, dificuldade em cumprir compromissos, falhas de memória, ausência de energia para tarefas cotidianas simples, distúrbios de concentração e atenção, entre outros impactos.
Uma outra consequência é o desenvolvimento de trauma psicológico (TEPT-transtorno de estresse pós-traumático). O transtorno de estresse pós traumático é uma doença que pode acometer as vítimas diretas (alvo) ou indiretas (pessoa que presenciou) situações de violência doméstica, tortura, cárcere privado, guerras ou desastres naturais. O TEPT afeta o cérebro e o corpo, prejudicando todas as áreas da vida da vítima. Há muitos sintomas incapacitantes e que impedem a pessoa de trabalhar, se relacionar e confiar em outras pessoas, se alimentar e dormir adequadamente, podendo haver danos que vão acompanhar a vítima por anos.
Mulheres que sofreram ou sofrem abuso estão sujeitas a desenvolver TEPT devido à exposição prolongada a situações de estresse, numa intensidade de estímulos que o cérebro não consegue processar adequadamente.
É possível recuperar os danos?
Como mencionado, o cérebro é um órgão dinâmico. O que significa que também pode ser recuperado dos danos e impactos. Para isso, é preciso que haja o contato zero, estratégia sugerida pela Não Era Amor, que defende a ausência total de contato com o abusador. Além disso, é imprescindível o acompanhamento de uma psicoterapeuta especializada. Em alguns casos também é indicado avaliação psiquiátrica e intervenção medicamentosa e, em todos, o apoio social é de extrema importância para que a vítima possa viver o processo que chamamos de plasticidade cerebral, pelo qual o cérebro faz novas conexões entre os neurônios, recuperando sua capacidade de funcionamento, pouco a pouco.
Há esperança, há tratamento e há possibilidades!
Redação: Thay Tanure, Redatora da Não Era Amor
Conteúdo e revisão: Laís Pereira, Psicóloga da Não Era Amor