Relacionamentos Abusivos e pessoas LGBTQIAPN+

O tema Relacionamentos Abusivos vem sendo cada vez mais discutido na sociedade atual. Seus padrões, suas causas, seus perigos… Há muito para ser dito e informado, mas para além da amplitude do tema, que ocorre na grande maioria das vezes no formato em que o homem é abusador e a mulher a vítima, é preciso também enxergar suas particularidades. Uma delas é quando o abuso acontece entre pessoas LGBTQI+, assunto pouco estudado nesse campo, se comparado às pessoas Cisgêneras – Cis (que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento) e Heterossexuais (que se sentem atraídas afeitva e sexualmente por pessoas do gênero oposto).

Existe a crença predominante de que os homens são violentos, e considerando as questões em torno da socialização do homem, a probabilidade dele ser abusivo é de fato alta comparado a de uma mulher, mas uma coisa não exclui a outra. Acreditar que homens nunca são vítimas de violência e que mulheres nunca são violentas pode ser uma variável que dificulta que pessoas gays,  lésbicas ou bissexuais se reconheçam enquanto vítimas em um relacionamento abusivo. Bem como acreditar que as relações entre pessoas do mesmo gênero são simétricas em termos de poder, já que relações homoafetivas são relações entre pessoas do mesmo gênero.

Nesse aspecto, existem duas principais dúvidas. A primeira é o questionamento se em uma relação entre duas pessoas do mesmo gênero pode haver abuso e a outra é se existem diferenças na dinâmica ou maneira como se manifesta a violência nesses relacionamentos e se de fato podemos chamá-los de abusivos. 

Uma relação entre pessoas LGBTQI+ pode ser abusiva?

Para responder essa questão precisamos, primeiramente, entender a essência de um relacionamento abusivo que consiste em uma relação cuja base é o abuso em suas mais diversas formas como controle, manipulações e ameaças. Depois, é necessário olhar para o tema com uma visão mais abrangente, isso é, descolar da ideia de que o abuso, por ser uma violência de gênero em uma sociedade machista e patriarcal, não acontece entre pessoas do mesmo gênero. 

Tal discussão está presente nas academias há algum tempo e estudos revelam a existência de relacionamentos abusivos em relações não heterossexuais e cisgêneras, tendo inclusive algumas semelhanças, mas também singularidades.

A semelhança está na dinâmica do abuso, onde há a presença de desigualdade de poder, controle, manipulação e do ciclo da violência que gira da mesma maneira que em qualquer outra relação abusiva. Já as diferenças estão mais presentes na maneira e na forma como alguns abusos acontecem, dentre elas está a principal: um tipo de abuso majoritariamente psicológico nomeado na literatura como Outing, termo que se refere a ameaça ou a manifestação de atitudes LGBTQI+Fóbicas na relação como uma prática de abuso, visando causar danos à saúde emocional, vida social e trabalho da vítima.

Nessas relações a diferença de poder existe e se manifesta das mais diversas formas, por exemplo, quanto mais benefícios um membro da relação possui em comparação ao outro, em maior posição de poder controlar e manipular ele se encontra. Pense em uma parceira que vive sua sexualidade fora do armário e trabalha em um ambiente que acolhe e apoia a diversidade e a outra parceira que vive exatamente o oposto, ou quando um membro da relação possui condições financeiras melhores que o outro.  Esses são fatores que  aumentam as chances de que em uma relação abusiva a primeira use isso contra a segunda.

Outros exemplos comuns de outing em relacionamentos abusivos entre pessoas LGBTQI+ são as ameaças de revelar a orientação sexual da parceira ou identidade de gênero, quando ela ainda não vive isso aberto socialmente, seja ao chefe, a membros da sua família ou as pessoas do ciclo social da vítima. O abuso também pode ser visto nas críticas à maneira como a parceira se veste, em relação às expectativas sociais sobre como uma mulher deve se vestir. Isso é, o abuso está presente nas manifestações de preconceito e discriminação na relação, cuja intenção é controlar e manipular a vítima de maneira a sempre obter benefícios  nesse relacionamento. 

Considerando uma sociedade que majoritariamente ainda não apoia e aceita as pessoas LGBTQI+, essas ameaças tendem a ser muito eficazes em um relacionamento abusivo, principalmente a depender do contexto específico de vida da vítima. Ou seja, nessas relações também há desigualdade de poder assim como nas relações Cis e Héterossexuais, isso é, uma parceira que vive abertamente na sociedade sua orientação sexual e ou identidade de gênero e possui apoio familiar, é aceita por essa família e acolhida tem maior poder nessa questão em relação a sua parceira que não é aceita por sua família, amigos e ainda vive a sua sexualidade ou gênero dentro do armário.

Contudo vale ressaltar que quando falamos de relações de poder e relacionamento abusivo, inclusive entre pessoas do mesmo gênero, ainda assim estamos falando de uma violência de gênero. Entenda gênero aqui não só como uma questão de identidade, mas uma série de atributos e simbolos socioculturais que permeiam as relações e comportamentos das pessoas independente do seu sexo e ou identidade de gênero. Nesse sentido, o “poder” está atrelado a uma série de comportamentos estereotipicamente e culturalmente atrelados à masculinidade, como maior salário, força física, prestígio social, dominação, controle e poder, dentre vários outros que em essência são considerados “masculinos” em nossa cultura.

Sendo assim, a violência de gênero não é somente do homem contra a mulher, mas de tudo o que se considera “masculino” contra o que é considerado “feminino”.

Por que é difícil enxergar o abuso na relação entre pessoas LGBTQI+?

Quando falamos de relações abusivas entre pessoas LGBTQI+ existe uma cortina de fumaça que dificulta entender e identificar o abuso, dentre elas podemos citar algumas construções de crenças e estereótipos socioculturais como construções convencionais de que a vítima é sempre uma mulher e agressor sempre um homem, embora esse seja o cenário majoritário   tal pensamento heterossexista pode ser prejudicial nesses casos, uma vez que, contribuiu para que o debate social sobre relacionamento abusivo em relações LGBTQI+ seja muito incipiente e até mesmo inexistente inclusive dentro do próprio meio LGBTQI+. Isso dificulta que essa população possa se enxergar nesse tipo de relação e acabe procurando ajuda, já que se não há informação e discussão sobre não  há liberdade.

Por esse motivo é preciso ampliar o debate social sobre relacionamentos abusivos em vários contextos seja dentro do próprio movimento LGBTQI+, no judiciário, na saúde e sociedade como um todo, esse debate ampliado só tende a somar para as vítimas e redução dessa violência ainda muito comum e presente nas relações amorosas de todos os tipos.

Vale ressaltar que os exemplos majoritariamente citados neste texto são os abusos específicos das relações LGBTQI+ do tipo Outing que é  a grande diferença das relações abusivas LGBTQI+ comparadas às Cisheterossexuais. Embora não abordados aqui, todos os outros tipos de abusos seja psicológico, intelectual, físico, sexual, tecnológico, financeiro e patrimonial, também acontecem nessas relações abusivas entre pessoas LGBTQI+. Afinal, a essência e a dinâmica do abuso é a mesma em qualquer tipo de relação abusiva.

Portanto, esse é um assunto que deve ser amplamente estudado e discutido em nossa sociedade para que, cada vez menos, esse tipo de abuso aconteça e, caso ocorra, mais ferramentas tenhamos para combatê-lo. 

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Redação: Fábio Iannini, Psicólogo, e Thay Tanure, Redatora da Não Era Amor
Conteúdo e revisão: Pollyanna Abreu, Psicóloga e Fundadora da Não Era Amor

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