Quantas vezes você já ouviu que um pouquinho de ciúme é bom? E que esse sentimento quer dizer cuidado? Ou ainda, que é sinônimo de amor? Pois é. É por causa da falsa ideia de que o ciúme é o tempero de um relacionamento e que a falta dele é, consequente, também falta de amor que nossa sociedade tem uma visão distorcida do que ele realmente significa.
O ciúme para a ciência
De acordo com a terapeuta de casais belga Esther Perel, o ciúme é uma emoção humana que significa que a outra pessoa tem um poder sobre você. É necessário ressaltar que quando ela traz essas definições não se está abordando o ciúme patológico.
Ainda no campo da psicologia, Oliveira & Paranaguá (2017) também fazem a distinção entre o ciúmes moderado e o ciúmes excessivo (ou patológico). Neste segundo, o indivíduo ciumento passa a verificar compulsoriamente suas dúvidas quanto à fidelidade do parceiro, chegando a padrões obsessivos delirantes.
Por fim, o psicólogo behaviorista Burrhus Frederic Skinner ressalta que o ciúme aparece em sociedades competitivas e comparativas.
Para nós, ciúmes não é amor.
Não há nada de romântico no ciúme
A capacidade de imaginação da mente ciumenta é infinita e não traz consigo nenhum benefício para relação, pelo contrário, só acarreta em desconforto, desconfiança e, em muitos casos, abuso. Apesar de ser um sentimento comum, é preciso analisá-lo com cautela: quando se está em uma relação saudável é possível lidar com tal sensação de uma maneira clara, calma e respeitosa, isso significa que ele opera totalmente diferente quando a relação é abusiva. Nesse último caso, mesmo que o formato pareça o mesmo, a intenção é totalmente diferente.
No caso de relacionamentos abusivos precisamos olhar pro fenômeno como ele é. Analisar bem o que estamos nomeando de ciúmes. É muito comum as pessoas pensarem que a sua origem tem relação com insegurança ou baixa autoestima, mas, na verdade, muito raramente há ligação com essas questões.
O ciúme, o amor romântico e o patriarcado
O Patriarcado é uma estrutura social que pressupõe uma hierarquia de privilégios através da qual os homens possuem um poder social e são capazes de explorar as mulheres. Junto a ele, podemos perceber algumas consequências como a ideia de que a mulher é propriedade do homem e que precisa se comportar “adequadamente” pra não dar brechas para o ciúme.
Com essa constante culpabilização e pressão em agir conforme a sociedade dita, as mulheres se sentem cada vez mais culpadas, transformando o outro no centro de suas vidas. Além disso, sofrem com excesso de responsabilização pela relação, pelo bem estar do parceiro, pelos filhos e até mesmo culpadas por serem traídas.
Nesse sentido, podemos perceber que o ciúme tem muita relação com o conceito de relacionamento socialmente aceito. Esse de que as pessoas casam e são um só corpo e um só espírito. Essa crença herdada do amor romântico, de que o casal se ama incondicionalmente e não vai sentir atração ou se interessar por outras pessoas e coisas ao longo da vida. É como se o conceito de amor fosse arquitetado no medo do outro não ser “seu”, em um senso de propriedade. E, no caso do homem abusivo, tem a ver diretamente com posse, objetificação, propriedade, controle e projeção.
Ciúmes e relacionamento abusivo
Sutil ou explícito, discreto ou exagerado, o abuso em forma de ciúmes é tirano e limitador. É violência, um problema social grave, uma questão de direitos humanos. Todo esse cerceamento de liberdade vindo do abusador ciumento acarreta em traumas e consequências psicológicas, podendo fazer até com que a mulher imite o comportamento do abusador e se torne também bastante ciumenta.
Mas afinal, como o ciúme pode aparecer em um relacionamento abusivo?
Posse, objetificação e desumanização: dificuldade por parte do homem de reconhecer a mulher como um ser humano livre, com vontades, pensamentos, atitudes e sentimentos próprios.
Controle: a vida do abusador é mesmo uma vida de luxo na qual ele não abre mão de ter o controle sobre tudo, afinal, para a mente abusiva a mulher está ali para servi-lo e fazer tudo que ele deseja, do jeito que ele deseja.
Isolamento social – uma das funções do ciúme é voltar toda atenção para o abusador. Dessa forma, a vítima vai se afastando da família, dos amigos, da rede de apoio, das atividades que gosta de fazer. Tudo isso faz com que seja ainda mais difícil sair do abuso e ainda mais fácil que o homem mantenha todos os seus privilégios na relação.
Projeção – o abusador possui tantos casos extra conjugais que projeta na mulher o que ele mesmo está fazendo.
Toda essa visão do ciúme, que na verdade é puramente o abuso, aliadas ao pensamento social sobre o tema contribuem para que cada vez mais mulheres sejam vítimas de relações violentas e controladoras. Para mudar essa realidade, a Não Era Amor aposta na informação como ferramenta libertadora e também na desromantização de violências sutis, que muitas vezes são tomadas como cuidados e amor. Por isso, o nosso questionamento diário aqui não é quando as mulheres vão acordar, mas sim, quando os homens vão parar de abusar.